segunda-feira, 22 de novembro de 2010

DIROFILARIOSE CANINA

M. V. Selmar Moreira ANIMAL'S / Clínica Veterinária / Av. Nossa Senhora de Fátima, 1525 Fone (86) 3232 7343 / 9437 3551 Teresina - Piauí www.clinicaanimals.com.br

Introdução
Dirofilariose ou dirofilaríase é a denominação dada a doença ou simples parasitismo causado por nematóideo da classe Filarioidea, identificado pela primeira vez por Panthot em 1679. Vermes que na sua forma adulta, fêmeas e machos medem, em média, 30 e 23 cm, respectivamente e parasitam, principalmente artéria pulmonar, ventrículo direito do coração e pulmões de carnívoros (cão, gato, raposa, etc.) e ocasionalmente, o homem de forma apatogênica. O agente causador da doença, ou seja, a Dirofilaria immitis, foi descrito pela primeira vez por Leidy em 1856. Que os descreveu como vermes finos e longos, revestidos por fina película sem grandes características morfológicas. As fêmeas são vivíparas, que quando reproduzem, dão origem às larvas (L1), conhecidas como microfilárias, essas podem ser encontradas na circulação sanguínea periférica. Para que haja a transmissão é necessária a participação de um vetor biológico, que pode tratar-se mosquitos hematófagos dos gêneros Aedes, Anopheles, Culex e pulgas do gênero Ctenocephalides.
Trata-se de uma enfermidade cosmopolita, com maior ocorrência em faixas litorâneas, porém não estando, o interior, livre da possibilidade de ocorrência da doença.
Epidemiologia
Para que a dirofilariose se desenvolva são necessários alguns fatores básicos:
- Uma população considerável de hospedeiros;
- Um reservatório estável da doença;
- Uma população considerável do vetor;
- Um clima ótimo para o desenvolvimento do parasita, temperatura (14 a 27º C) e umidade.
A Organização Mundial de Saúde (OMS) tem demonstrado grande interesse pela dirofilariose, dado seu caráter zoonótico, sua virulência, sua crescente prevalência e distribuição mundial. Por outro lado, elevados números de trabalhos vêem sendo desenvolvidos a respeito do assunto, com a finalidade de reduzir lacunas existentes, no que diz respeito à magnitude do problema, as espécies transmissoras, os métodos de diagnóstico e a importância da dirofilariose canina sob o ponto de vista da Saúde Pública.
Essa doença já foi diagnosticada em países como a Itália, Austrália, Portugal, Espanha, Estados Unidos, Canadá. No Brasil há relatos da dirofilariose nos estados do Pará, Pernambuco, Maranhão, Minas Gerais, São Paulo, Rio de Janeiro, Mato Grosso, Paraná e Espírito Santo. No Piauí o Médico Veterinário Selmar Moreira (Animal´s - Clínica Veterinária), desenvolveu pesquisa sobre a ocorrência de dirofilariose em 105 cães domiciliados no Município de Luis Correia, cidade do litoral do Estado. Destes, 39 cães, ou seja, 37,14%, apresentaram-se parasitados por D. immitis. Ainda neste trabalho, as microfilárias mediram, em média, 302,76μ de comprimento, a concentração sanguínea média, foi de 4.121 microfilárias/ml e não foi estabelecida relação entre o sexo dos animais e a presença da doença.
Observa-se que em áreas litorâneas há uma maior porcentagem de animais parasitados. Pesquisas revelam que mesmo animais que não frequentaram faixas litorâneas, devem ser submetidos a testes diagnósticos quando apresentarem sinais clínicos da doença, uma vez que já foram detectados animais positivos em cidades do interior do país, como Uberlândia, Cuiabá, cidades do interior de São Paulo e Rio de Janeiro.
Ciclo Biológico
As microfilárias circulantes em estágio L1 (estágio pré-larval) (fig. A), são ingeridas pelo vetor biológico e aloja-se nos túbulos de Malpighi deste, onde se desenvolvem para L3 num período de 10 a 14 dias, quando migram para o lúmen da bainha labial do vetor. No mosquito, a larva necessita de uma temperatura ótima para se desenvolver, que é de 14º a 27º C. Abaixo dessa temperatura a larva poderá não se desenvolver. Ao picar o hospedeiro definitivo, no repasto sanguíneo, as larvas em estágio L3, são liberadas e penetram ativamente na pele quando migrarão para os tecidos subcutâneos, serosos e outros, evoluindo-se para L4, onde permanecerão por 60 a 90 dias, quando, presume-se, cairão na corrente sanguínea de retorno ou venosa e chegarão ao ventrículo direito do coração. A maturação e a cópula ocorrem no ventrículo esquerdo, artérias pulmonares, onde podem viver por até sete anos. A liberação de novas microfilárias pelas fêmeas, dá-se em torno de seis meses após a infecção, quando ganharão a circulação periférica e iniciarão um novo ciclo.
Hospedeiros
Além do cão, outras espécies podem comportar-se como hospedeiro da D. immitis. Aqueles servirão como fonte para infestação de animais saudáveis, a saber:
- Lobo Guará (Chrysocyon brachyurus)
- Raposa cinza (Urocyon cinereoargenteus)
- Raposa Vermelha
- Gato doméstico (Felis domestica)
Existem, também, hospedeiros nos quais a doença não se desenvolve. As microfilárias infectantes são encapsuladas ao penetrarem na pele. Estes hospedeiros são:
- Homem
- Castores
- Ursos
Patogenia
As principais lesões produzidas pela D. immitis são: inflamação crônica dos pulmões, trombose e hipertensão pulmonar, fibrose e enfizema pulmonar, hemossiderose nos linfonodos e baço. Em casos mais avançados da doença, os pacientes apresentam congestão dos linfonodos hepáticos, ascite e anasarca. Estenose da artéria pulmonar também é um quadro comum por hipertrofia da íntima do vaso. A distribuição e severidade das lesões dependem do número e posição dos vermes, mas as artérias lombares caudais, apresentam maior comprometimento. Hipertrofia cardíaca também ocorre, além de dilatação, principalmente, do ventrículo direito.
Os animais que desenvolvem doença cardio-pulmonar podem não manifestar nenhum sinal clínico ou esses sinais podem apresentar-se na forma de dispnéia, intolerância ao exercício físico que se agrava devido à resistência ao fluxo sanguíneo nos alvéolos, hemoptise, síncope.
A síndrome da veia cava é um sinal clínico manifestado pelos doentes graves, devido a grande concentração de vermes adultos no átrio direito do coração, válvula tricúspede e veia cava caudal.
Hemólise, anemia e bilirrubinuria são lesões provocadas por comprometimento hepático primário.
A doença renal provocada pela doença ainda é controversa. O que os autores relatam é a presença de glomerulonefrite membranosa por obstrução do capilar renal pelas microfilárias ou por reação do tipo complexo imune. Essa síndrome glomerular pode ser estabelecida através da presença de moderada concentração das proteínas a urinálise e, ocasionalmente, presença de microfilárias.
Resumindo, os sintomas mais freqüentes são: anorexia, perda de peso, apatia, tosse, fadiga ao esforço físico e crises ocasionais de hemoptise.
O prognóstico é reservado, podendo ocorrer mortes súbitas por obstrução, devido à presença de microfilárias ou vermes adultos, das artérias ou capilares dos pulmões, SNC, coração, intestinos ou rins.
Diagnóstico
O diagnóstico da dirofilariose deve ser centrado na história clínica do animal, através da observação dos diversos sinais clínicos apresentados.
Entre os diversos métodos diagnósticos para D. immitis podemos destacar a radiologia, ecocardiografia, angiografia, testes sorológicos, detecção e diferenciação de microfilárias (exame direto ou pelo método de Knott modificado) e necropsia.
Quando se atende um animal suspeito de estar acometido por dirofilariose, deve-se ter em mente que os principais sinais clínicos são provenientes, principalmente, de lesões cardio-pulmonares, renais e hepáticas, com isso, aliado a uma boa anamnese, um bom exame clínico, sabendo-se da origem do animal, se de origem de área endêmica para a doença, pode-se direcionar os exames laboratoriais para o diagnóstico da doença.
O exame radiológico do coração e pulmão é um importante método para se avaliar a presença e/ou severidade da infestação por D. immitis. As mudanças mais comuns manifestam-se na presença de uma maior radiopacidade do lado direito do coração, artéria pulmonar principal e lóbulos do pulmão. Esse diagnóstico, porém, deve ser confirmado por exames complementares que incluem pesquisas de microfilárias na circulação periférica e reação antigênica do parasito adulto, que serão descritas posteriormente.
Diagnóstico Epidemiológico - Consiste em relacionar a presença do paciente sintomático a ambientes com reconhecida existência de vetores biológicos da doença, assim como a áreas onde já tenha sido diagnosticada a dirofilariose em algum animal.
Diagnóstico Laboratorial - Recomenda-se como complementação aos demais exames. Neste serão observadas as microfilárias circulantes no sangue periférico ou a reação antigênica resultado da presença dos vermes adultos.
Gota espessa - É feita através da colocação de uma gota de sangue total, logo após a colheita, entre lâmina e lamínula e observada no microscópio óptico comum a um aumento de 40x, usado-se uma baixa intensidade de luz. Porém existe a possibilidade de falso negativo, daí a necessidade de outros exames complementares.
Gota de soro - Colhe-se uma quantidade de sangue, sem anticoagulante, e deixa o material coagular, do sobrenadante retira-se uma gota e leva-se ao microscópico óptico com aumento de 40x. Essa técnica tem a vantagem de terem sido separadas partes sólidas das partes líquidas do sangue, o que facilita a visualização da microfilária.
Knott modificada - Em um tubo com capacidade para 10 ml, coloca-se 1 ml de sangue total, que foi colhido previamente com anticoagulante, adiciona-se 9 ml de formol a 2%, centrifuga-se a 1.500 rpm durante 5 minutos, despreza-se o sobrenadante e, à fração sedimentada, adiciona-se de duas a três gotas de azul de metileno e coloca-se uma gota entre lâmina e lamínula e lê-se ao microscópio comum aumentado 40x. È uma técnica bastante eficiente por ser sensível e permite detectar uma baixa microfilaremia e identificar as microfilárias (medir e contar).
Prova antígeno-anticorpo - Existem no mercado vários kits para testes para detecção de espécimes adultos de D. immitis. Podemos destacar alguns que podem ser encontrados no Brasil: assure CH, dirocheck e snapcanine heartworm PF. Porém são métodos pouco práticos, muitas vezes sem especificidade, pois alguns podem apresentar reação cruzada com vermes gastrointestinais. São pouco sensíveis, pois os vermes têm de ter mais de cinco meses e se forem machos não há reação. Em resumo não há nenhum teste, atualmente, que seja seguro e eficaz na detecção da D. immitis. Quando escolhida essa prova, como integrante dos meios para o diagnóstico da dirofilariose, aquela deverá sempre estar correlacionada com outros métodos de diagnóstico por apresentarem limitações consideráveis.
Diagnóstico diferencial - Por haver vários filarióides nos mamíferos, deve-se diferenciar o verme adulto ou a microfilária encontrada de outros nematóides. O Dipetalonema reconditum tem importância por ocorrer em áreas onde também ocorre a D. immitis e por liberar microfilárias na circulação. Porém, o D. reconditum, não causa doença, por ficarem, as larvas, encapsuladas no tecido subcutâneo do animal. A diferenciação das duas espécies pode ser feita através de diferenças morfométricas. A tabela abaixo relaciona algumas das diferenças mais importantes entre as larvas das duas espécies.
Necrópsia
Na verdade é o método de diagnóstico menos desejado, mas é, na dirofilariose, o mais preciso. Nele, os vermes adultos, são encontrados no ventrículo direito do coração, pulmões e/ou artérias pulmonares. As infestações ectópicas são raras, mas ocorrem. Podem ser observadas no olho, SNC, ramos caudais de artérias.
Tratamento
O objetivo do tratamento é eliminar os vermes adultos e microfilárias. É recomendável que se faça essa medida com o mínimo de trauma ao paciente, tanto quando se refere à toxicidade da droga, quanto nas consequências da inevitável embolia causada pelos vermes adultos mortos. Pacientes com uma taxa de vermes adultos baixa terão maior êxito no tratamento, por diminuir a embolia.
Recomenda-se, antes de instituir-se o tratamento, que o proprietário do animal seja concientizado dos benefícios e efeitos colaterais possíveis após o inicio do tratamento. É possível que animais que apresentam severidade nas lesões e/ou doenças paralelas, estejam impossibilitados de serem tratados. Uma vez decidido que o animal pode receber o tratamento, parte-se para a escolha do protocolo que melhor se adapte ao paciente.
Atualmente existem duas drogas, no mercado nacional, de eleição para o tratamento da dirofilaria em estágio adulto:
Tiacetarsamida sódica - (Carpasolate; Merial) – Os resultados, nos animais tratados com essa droga, são melhores evidenciados quando os animais apresentam uma infestação leve. A administração é exclusivamente endovenosa, sob pena de haver necrose no local onde houver extravasamento da droga. Na dose de 2,2 mg/kg de PV, de 12 em 12 horas durante três consecutivos.
Os efeitos colaterais advindos da administração deste medicamento manifestam-se na forma de vômitos, porém o tratamento deve ser continuado, exetuando-se em casos de vômito persistente e apareça anorexia e icterícia, nesses casos o tratamento deverá ser suspenso.
O trombo-embolismo e seus efeitos são as principais manifestações colaterais, devido à obstrução das artérias pulmonares pelos vermes mortos, e se o tratamento tiver tido resultado, algum número de obstrução ocorrerá. Os sinais clínicos dessa consequência são febre, tosse, hemoptise. Estes pacientes necessitam de tratamento antiinflamatório através da administração de corticóides. Animais com trombocitopenia e proteinúria devem ter o pós-tratamento monitorado cuidadosamente, pois poderá ocorrer trombose grave e coagulação intravascular disseminada (CID).
Dihidrocloridrato de melarsomina - (Immiticide; Merial) - Droga de eleição para o tratamento de vermes adultos por ser mais eficiente, menos tóxica e de fácil manejo. Os animais com infestações de leve à moderada, devem receber duas doses de 2,5mg/kg, com intervalo de 24 horas em injeção profunda na musculatura lombar.
Animais com doença grave devem receber o tratamento em duas etapas. Na primeira, receberá uma dose de 2,5mg/kg em injeção intramuscular lombar profunda. Numa Segunda etapa receberá duas doses de 2,5mg/kg com intervalo de 24 horas entre uma dose e outra, também em injeção intramuscular lombar profunda.
O tratamento microfilaricida deve ser iniciado de três a seis semanas após o tratamento adulticida. As drogas mais eficazes são a milbemicina (500 a 999mcg/kg, VO) e ivermectina (50 mcg/kg, VO).
Os animais que apresentaram uma doença mais agressiva deverão receber doses menores e mais frequêntes de seis a 12mcg/kg, VO, que eliminará as microfilárias gradualmente.
Há autores que classificam, ainda, um outro grupo de pacientes: os gravíssimos (com síndrome da veia cava), esses não suportariam um trombo-embolismo severo, nestes, os vermes, deverão ser removidos cirurgicamente.
Prevenção
Quando terminado ou concomitantemente ao tratamento adulticida, devem-se estabelecer estratégias que impossibilitem o nascimento de novos vetores, que não permita que os vetores que já existam sejam infectados, que os que já estão infectados transmitam a doença. Prevenir, como em todos os setores da saúde, e aqui não é diferente, é mais eficiente para se conter uma doença, mais barato e mais seguro.
Atualmente existem alguns produtos preventivos aprovados no Brasil: dietilcarbamazine, ivermectim, milbemicina e moxidectina. Um outro está em fase de aprovação, o selamectin. Autores recomendam que se inicie a administração das medicações preventivas 15 dias antes do animal ser exposto ao vetor e 60 dias após a exposição. Uso de repelentes também é recomendável para animais que habitam em área endêmica para a doença.
Além de formar uma barreira contra a doença no animal, outras medidas são tidas como essenciais para a prevenção da dirofilariose. Entre elas podemos destacar a diminuição da população de vetores biológicos, através de uso de inseticidas e borrifações estratégicas pelo órgão estatal competente. Implantação de aterros de terrenos propícios a alagamentos e acúmulo de água.
Atualmente existem estudos no sentido de desenvolver uma vacina contra a doença, porém não se chegou a nenhuma conclusão satisfatória.
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