segunda-feira, 1 de novembro de 2010

ACHATINA FULICA NO BRASIL (www.achatinafulica.com)

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No Campus da Ufal em Maceió em 2010 foram encontrados inúmeros exemplares de Achatina fulica perfeitamente adaptados
Mauricio Aquino*
O Brasil é um dos 17 países que reúnem, juntos 70% de todas as espécies animais e vegetais catalogadas no planeta. Estima-se que apenas o Brasil hospede entre 15-20% de toda a biodiversidade do planeta, além de possuir o maior número de espécies endêmicas do mundo. (GISP, 2010) Mas, existem também, as espécies animais e vegetais que são introduzidas num ecossistema ou país onde não existia, intencional ou acidentalmente e que, na grande maioria das vezes são danosas ao meio ambiente, sendo chamadas de invasoras. De acordo com a União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN), parceira do Programa Global de Espécies Invasoras (GISP), o Achatina fulica é uma delas.
No Brasil podemos dar citar como espécies invasoras: Moluscos: Achatina fulica, Limnoperna fortunei; Insetos: Anthonomus grandis, Bemisia tabaci, Ceratitis capitata, Paratrechina longicornis; Espécies Vegetais: Ambrosia artemisiifolia, Lespedeza cuneata, Bambusa vulgaris, Eichhornia crassipes, Elaeis guineensis, Leucaena leucocephala, Ricinus communis, Rottboellia cochinchinensis;Peixes: Aristichthys nobilis, Carassius auratus, Cyprinus carpio, Hypophthalmichthys molitrix, Micropterus salmoides, Oncorhynchus mykiss, Oreochromis aureus; Medusa: Phyllorhiza punctata; Pássaro: Columba Lívia; Anelídeo: Ficopomatus enigmaticus; Mamífero: Lepus europaeus, Mus musculus, Sus scrofa; Réptil: Trachemys scripta elegans; Briozoário: Schizoporella unicornis; e até microorganismo como o Vibrio cholerae. (Grifo Nosso)
O Achatina fulica ou caracol africano, nativo da costa leste da África (Quênia e Tanzânia), de acordo com Prasad (2004), é uma das 100 espécies invasores mais prejudiciais do planeta. Hoje, é encontrada em todos os continentes, exceto na Antártida. É uma espécie muito resistente, sendo capaz adaptar-se a distintas condições ambientais. O Achatina “é apontado como uma ameaça a agricultura e aos ecossistemas nativos, tendo um impacto negativo sobre a fauna nativa, atuando como vetor de doenças humanas”. (IUCN, 2010). Não sendo exigente quanto à alimentação, consome pelo menos, “500 diferentes tipos de plantas, incluindo a fruta-pão, mandioca, cacau, mamão, amendoim e a maioria das variedades de feijão, ervilha, pepino e melão. [...] também come areia, pedriscos, ossos de carcaças e até concreto como fontes de cálcio. É uma ameaça para as espécies nativas, afetando ecossistemas nativos alterando a cadeia alimentar, constituindo-se em fontes alternativas alimentos para os predadores”. (PRASAD, 2004)
No Brasil, “a introdução [...] deu-se a partir do ano de 1988”. (PAIVA, 2004 apud SOUZA, 2007) “A disseminação do animal [...] já se encontra registrada em 23 estados brasileiros, perpassando diferentes ecossistemas” (TELES et al., 1997 apud SOUZA, 2007)
Embora eu seja um entusiasta da espécie, recomendando, inclusive o seu consumo pela população mais carente como complemento alimentar, não posso negar que a espécie possa, “em condições especiais”, ser vetor, embora raramente, de duas importantes antropozoonoses quando consumido cru ou mal cozida: o “Angiostrongylus cantonensis, verme pulmonar de roedores, a causa mais comum da Meningite Eosinofílica humana e o Angiostrongylus costaricensis, o agente causal da Angiostrongilíase Abdominal ou Intestinal”. (SES/SP, 2010) “Os principais hospedeiros intermediários para o A. costaricensis são lesmas da família Venonicellidae enquanto o Achatina, o Gigante Africano é considerado um dos mais importantes hospedeiros para o A. cantonensis”. (NEUHAUSS, 2007 apud ALICATA 1965, MORERA 1973)
No entanto, o risco que corremos em contrair uma das parasitoses citadas através do Achatina fulica, mais de 20 anos depois de sua introdução no país é insignificante se comparado ao risco que corremos em adquirí-la a partir de lesmas nativas da família das Veronicelídeas, principais hospedeiros intermediários de Angiostrongylus costaricencis no Brasil.
O consumo do caracol pelo homem é prática muito antiga, pois são freqüentes os achados arqueológicos em cavernas e sambaquis (*) no norte da África, que datam da pré-história. Arqueólogos encontraram depósitos sambaquis que variavam de 10 a 200 metros de comprimento com até 1.5 metro de altura, numa indicação de que os caracóis já foram, no passado, largamente consumidos, associando o seu consumo pelo homem, à diminuição da caça nos períodos glaciais e ao seu fácil armazenamento, devido a sua capacidade de estivar ou hibernar, por longos períodos. Eu mesmo consumo, regularmente, animais coletados na natureza, que me são presenteados por um morador de Paripueira, onde é praga, especialmente nos meses mais chuvosos do ano.
Com a introdução dessa nova espécie no país, os helicicultores (**) brasileiros acreditaram ter encontrando uma espécie resistente, prolífera, precoce e principalmente, adaptada ao nosso clima, imagine então, o quanto foi decepcionante quando o IBAMA proibiu a sua criação em cativeiro devido a pressão da imprensa mal informada que, até hoje, divulgar ser esta espécie como um grave risco a saúde humana. No entanto, 22 anos após a sua introdução e distribuição por quase todo o Brasil, o Caramujo Africano é citado como responsável por um único caso clínico, não publicado, de meningoencefalite eosinofílica [...] em um encontro regional em 2006, de acordo com Caldeira (2007, pag. 887). Felizmente não há nenhum outro caso descrito de Achatina fulica causando prejuízos a saúde humana, à agricultura (exceto as pequenas hortas) ou as espécies nativas.
É uma inverdade afirmar que os criadores desfizeram-se de seus animais simplesmente porque a atividade era antieconômica, conforme se lê, frequentemente. Antes do IBAMA proibir a sua criação no país, muito provavelmente, devido à pressão exercida pela imprensa, iriam ser inauguradas no estado de São Paulo, cooperativas destinadas à industrialização do Achatina.

(*) Sambaqui é o nome dado a um aglomerado de conchas, evidência de resto de consumo humano de épocas passadas, que se acumulavam próximo aos agrupamentos, anos após ano, décadas após décadas.
(**) Criadores de caracóis para consumo.

Isso iria resolver, definitivamente, a questão da comercialização, o principal obstáculo, frequentemente apontado ao crescimento da atividade no Brasil. Mas no momento em que a sua criação passou a constituir-se em crime ambiental, muitos criadores desfizeram-se de seus animais, simplesmente, jogando-os fora, ainda vivos.
Eu poderia até a arriscar uma afirmação, a de que a ampla divulgação de declarações alarmistas e inconsistentes através da imprensa, a respeito do “risco potencial” desta espécie, foi o grande responsável pela acelerada infestação do ambiente urbano e rural, pois uma vez libertados, praticamente, ao mesmo tempo, em diversos estados brasileiros, oriundo dos criatórios que passaram a ser considerados “ilegais”, de um momento para o outro, o caramujo possuidor de grande prolificidade, resistência a doenças e praticamente sem predadores naturais, espalhou-se com uma grande velocidade, estando presente, hoje, em quase todos os estados brasileiros.
É sempre propício lembrar que zoonoses são doenças transmitidas entre homens e animais e não apenas entre o homem e o caracol. Sob o ponto de vista da saúde pública todos os animais consumidos pelo homem, seja domésticos ou silvestres, podem transmitir zoonoses.
Do ponto de vista higiênico-sanitário, a carne de diversas espécies domésticas consumidas diariamente pela população é capaz de transmitir antropozoonoses mais prejudiciais, inclusive, do que as produzidas pelos nematódeos Angiostrongylus costaricensis e A. cantonensis. No entanto, a evolução das normas sanitárias apropriadas à criação e ao abate desses animais contribuiu, decisivamente, para a superação destes riscos e nem por isso, deixaram de serem consumidas pelo homem.
Nem a população urbana está livre das zoonoses por morarem nos grandes centros no Brasil, apesar de possuir uma das melhores legislações ambientais do mundo, “é bastante comum estes animais silvestres e exóticos serem encaminhados às clínicas veterinárias, zôos, centros de triagem, expondo os profissionais e tratadores a um possível risco de contrair zoonoses”. (CORREIA e PASSOS, 2001 apud SILVA,
2003)
A correta profilaxia constitui instrumento sanitário indispensável para a criação racional de qualquer animal. Tais cuidados devem, simplesmente, ser extrapolados para o Achatina fulica que, infelizmente tem sido alvo de uma verdadeira caça as bruxas.
A coleta e destruição dos animais tem se mostrado ineficaz tanto do Brasil como no resto do mundo. A coleta do caracol (Achatina fulica) na natureza para a complementação da alimentação humana ou animal ou para fins industriais cosméticos e medicinais pode vir a ser a melhor forma de manter a sua população em níveis aceitáveis, para não ocasionar prejuízos significativos ao ambiente natural.
Num país como o Brasil, onde muitas pessoas ainda passam fome, temos que adotar uma postura séria e começarmos a fazer ciência, realmente, para quem precisa dela, a comunidade. O caracol africano é um animal rico em proteínas e com grande potencial medicamentoso, rotulá-lo simplesmente como nocivo por ignorância é um luxo que não podemos adotar.
No blog http://projetocaramujoafricano.blogspot.com/ você encontra mais informações a respeito do Achatina fulica, inclusive, um pequeno vídeo, hospedado no YouTube, que ensina, passo a passo, como preparar o caracol africano para consumí-lo (http://www.youtube.com/watch?v=-wuYX_wIiGA).

Referências:
GISP. Bioinvasion and Global Environmental Governance: The Transnational Policy Network on Invasive Alien Species. Disponível em: Acesso em: 16 fev 2010.
PRASAD, G. S., SINGH, D. R., SENANI, S and R.P. MEDHI. Ecofriendly way to keep away pestiferous Giant African Snail, Achatina fulica Bowdich from nursery. Global Invasive Species Database. Current Science 87: 1657-1659. 2004.
IUCN, Press Release22 January 2010: Impact of nature’s invading aliens measured for first time. Disponível: < http://www.gisp.org/> Acesso em: 17 fev 2010.
SOUZA, Renata Manzi de; ALVES, Ângelo Giuseppe Chaves; ALVES, Marcos Souto. Conhecimento sobre o molusco gigante africano Achatina fulica entre estudantes de uma escola pública na Região Metropolitana do Recife. Departamento de Biologia da Universidade Federal Rural de Pernambuco. Recife – PE. Biotema, 20 (1): 81-89, março de 2007.
NEUHAUSS, Erli; FITARELLI, Monaliza; ROMANZINI, Juliano; GRAEFFE-TEIXEIRA, Carlos. Low susceptibility of Achatina fulica from Brazil to infection with Angiostrongylus costaricensis e A. Cantonensis. Pontificia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS) e Laboratório de Biologia Parasitária, Faculdade de Biociências da PUCRS. Porto Alegre, RS, 2007.
CALDEIRA, Roberta Lima et al. First Record of molluscs naturally infected with Angiostrongylus cantonensis (Chen, 1035) (Nematoda:Metastrongylidae) in Brasil. Mem Inst. Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro, Vol. 102(7): 887-889, 2007. Disponível em: Acesso em: 20 de mar de 2010
SILVA, Jean Carlos Ramos. Zoonoses e Doenças Emergentes Transmitidas por Animais Silvestres. Disponível em: Acesso em: 17 fev 2010.
* É médico veterinário e ex-presidente da Associação de Criadores de Escargot (AHRJ) no Rio de Janeiro, a primeira associação de criadores de caracóis do Brasil. O aproveitamento racional da espécie é o tema do seu mestrado em Saúde e Ambiente,na UNIT em Aracaju.
Publicado em:
GAZETA DE ALAGOAS. Achatina fulica no Brasil. Disponível em: http://gazetaweb.globo.com/v2/gazetadealagoas/lista_cadernos.php?cod=171673&ass=57&data=2010-10-02 Acesso em 01/11/2010.

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