domingo, 31 de julho de 2011

O BRASIL NA CONTRA MÃO DO MUNDO


Vivi Vieri
Advogada

Em 1963, o Ministério da Saúde através do Decreto Nº 51.838, de 14 de Março de 1963, baixou normas técnicas para o combate da Leishmaniose destacando a importância das eutanásias de cães infectados e dirigindo ao Departamento Nacional de Endemias Rurais, por ser uma doença típica do meio rural.
Quarenta e oito anos depois, em pleno século XXI, na data de 11 de julho de 2008, dois Ministérios, da Saúde e da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, baseados em decretos, entre eles o Decreto de 1963, resolveram criar a PORTARIA INTERMINISTERIAL Nº 1.426, adotando como primeira medida as eutanásias de cães infectados e proibindo o tratamento dos cães com medicações humanas em todo país.
Com o advento da nova Constituição, este Decreto de 1963 não foi recepcionado, havendo incompatibilidade entre ele e a norma constitucional de 1988, pelo fato de terem surgido novos direitos do cidadão, do animal, hoje considerado como sujeito de direito e do profissional, no caso em tela, o médico veterinário.
Como exemplo, a Portaria Interministerial, ao proibir o tratamento de cães infectados, obrigando o recolhimento para eutanasiar baseado apenas em um exame, está desrespeitando e ferindo o cidadão em seus direitos e sem fundamentos científico para isso, apenas embasados em revisões sistemáticas.
Portaria é ato administrativo, “que não pode inovar legislar, por que precisa se basear em leis, apenas regulamentando, dentro dos limites constitucionais e legais, o conteúdo da lei”.
Tais medidas encontram-se restritas ao âmbito de execução de atos normativos hierarquicamente superiores, sendo-lhes vedado inovar a ordem jurídica para restringir direitos ou impor obrigações.
Em um dos Informes Técnicos da OMS, diz: "o tratamento não é uma medida de controle de LV; não obstante, em situações especiais em que se aplique o tratamento, se recomenda que se apliquem medidas que impeçam o contato do cão tratado com o vetor de LV. Tais medidas deverão ser cientificamente avaliadas e validadas, com o objetivo de mitigar o risco de que o animal em tratamento seja fonte de infecção para o vetor e pessoas.
No Informe Técnico de 2010 do mesmo Instituto, fala-se do uso de medicamentos para controlar a doença e apesar de tantas informações contrárias e das evidências de que é um fracasso, a atual Portaria insiste nas eutanásias indiscriminadas, mantendo a mesma política, sendo o único país no mundo que controla a doença matando cães. O que falta são políticas públicas mais eficientes, não atribuir ao cão a responsabilidade pela disseminação da doença, haja vista ter outros reservatórios, entre eles o próprio homem e os problemas atuais como o crescimento urbano desenfreado.
Eutanásias obrigatórias são desnecessárias e carentes do devido respaldo científico. Descumpre as normas técnicas do Regulamento Sanitário Internacional, do qual o Brasil é signatário, desrespeita a Declaração Universal do Direito dos Animais, proclamada pela UNESCO em 1978, da qual o Brasil também é signatário, viola a Constituição Federal e demais leis protetivas da vida animal e desconsidera as orientações da OMS - Organização Mundial de Saúde
Nossa vizinha Argentina, adotou como medidas para controle de zoonoses, entre elas a Leishmaniose, um programa de guarda responsável, que inclui a castração de cães e gatos, medida esta recomendada pela OMS.
Com tantas evidências negativas, mesmo assim, o Brasil continua na contra mão do mundo, mantendo as mesmas diretrizes para o controle da Leishmaniose através do sacrifício sumário de cães supostamente doentes, desrespeitando os direitos do cidadão, todos esses direitos amparados pela nossa Carta Magna e lançando mão de uma política pública ultrapassada e ineficaz. ☼

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